Populismo: o câncer da democracia latino-americana

O modelo democrático latino-americano destoa-se do modelo europeu, por três motivos básicos: 1) adoção majoritária do presidencialismo; 2) pluripartidarismo não ideológico; 3) “culto à imagem” de uma determinada liderança política. Como se pode observar, na América Latina, toda experiência democrática culmina ou culminará em uma ditadura, cedo ou tarde, graças a estes três pontos mencionados.

O presidencialismo, na América Latina, tornou-se uma certeza de que o Presidente da República teria significativos poderes “em suas mãos”, ou seja, a garantia de um Poder Executivo forte, onde uma só pessoa apresenta-se como sendo o protagonista de todo o poder. Por este motivo, não somente no Brasil, mas em vários países latino-americanos, se tem a ideia de que o Presidente sozinho pode mudar o país (algo completamente equivocado, para quem conhece o funcionamento do jogo político).

A imagem de um líder forte, representado na pessoa do Presidente da República, faz com que surja uma espécie de “culto” à sua personalidade: Quanto mais este presidente conseguir vender a ideia de que é uma liderança forte, carismática e que possui o controle da situação, maior será seu prestígio junto à população. Por este motivo, o populismo tornou-se uma receita de bolo infalível nas democracias latino-americanas.

Quando Carlos Menem tornou-se presidente da Argentina (1989), ele acabou por inaugurar um novo modelo de populismo, que seria replicado por Fernando Collor, no Brasil. A receita argentina também teve êxito no Brasil: a ideia de um presidente mais “descolado”, próximo do povo, com bastante vigor e ousadia, encantava tanto argentinos como brasileiros, mas somente Menem soube lidar com a política, como ela de fato era e implementar grande parte de suas políticas, no seu primeiro mandato, ainda que sem pleno apoio de sua base aliada.

O modelo de “novo populismo”, concebido por Menem e Collor, no final da década de 1980, vinha de encontro com um anseio latino-americano por renovação e foi constantemente replicado, em outras ocasiões, em especial por líderes da direita política, como por exemplo Bolsonaro e Burkele, que sempre buscaram enaltecer o quão vigorosos eram em suas atitudes, sempre com palavras de ordem e vendendo a imagem de que seriam supostamente incorruptíveis e salvadores da nação.

Por outro lado, o dito “populismo de esquerda”, na realidade, não mais existe. No Brasil, o único expoente vivo e relevante desta modalidade de populismo, é o Lula, que claramente não está logrando êxito em deixar um sucessor, por um motivo simples: a esquerda tornou-se apática e impopular, aos olhos da grande massa, a partir do momento que esta deixou de preocupar-se com questões sociais e começa a se preocupar demasiadamente com questões de cunho mais acadêmico, que não são de interesse majoritário da grande massa.

De qualquer maneira, a direita e a esquerda, na América Latina, sempre foi um teatro para iludir o eleitorado, uma vez que os partidos latino-americanos, em sua maioria, são despidos de ideologia, até porque tal questão não é interessante para o sistema político vigente: na América Latina, em especial, no caso do Brasil, os membros do legislativo são eleitos em lista aberta, o que faz com que o eleitorado atente-se mais a imagem do candidato do que a do partido, mesmo que a distribuição de assentos na Câmara dos Deputados ocorra pelo método proporcional, considerando os votos obtidos pela agremiação partidária e não pelo político em si. Este desvio do foco, existente no modelo brasileiro, cria a figura dos “puxadores de votos”, o que permite que partidos que talvez não conseguissem representatividade significativa na casa legislativa, consigam boa representatividade. Por este motivo, muitos partidos brasileiros acabam sendo alinhados ao centro, para poderem abarcar a maior diversidade de candidatos possível e pondo de lado os embates ideológicos, tornando a política muito mais pragmática e focada em interesses individuais dos legisladores (que muitas vezes, são interesses meramente populistas, focados nas próximas eleições e perpetuação no poder).

Outro ponto que corrompe o modelo democrático latino-americano é que no presidencialismo não se depende do legislativo para formar o governo, tal como ocorre no parlamentarismo. Desta forma, o governo é, ao menos na teoria, independente do Congresso, o que se torna um motivo para criar um verdadeiro “cabo de guerra” entre as instituições, pois o governo apela a população, com o discurso de que o legislativo não o deixa trabalhar, criando assim comoção social que serve para com que o Poder Executivo meça forças com o Legislativo, gerando uma verdadeira guerra de poder entre os poderes, para ver qual que ao final prevalece.

Desta forma, diferentemente das democracias europeias, aonde se prevalece a ideologia e o governo é, de certa forma, controlado pelo parlamento, o que assegura certa estabilidade institucional, na América Latina nós temos um sistema baseado nos conflitos institucionais, que são inevitáveis, porém aguçam as tensões populares, não na defesa de uma ideologia em específico, mas na defesa de um líder, quase sempre vinculado ao Poder Executivo.

Por este motivo, o eleitor latino-americano sempre está à espera de um “salvador da pátria” nas eleições presidenciais, enquanto que o eleitor europeu sabe que salvadores não existem, o que existem são ideias, que se mantêm ao longo do tempo, graças à existência de uma instituição (partido político) e não de uma liderança apenas. Logo, salvo raras exceções, em regra, na política europeia, o partido e sua ideologia prevalecem sobre a figura política do candidato e não o contrário, como costumeiramente ocorre na América Latina.

No caso brasileiro, por exemplo, percebemos que após a constituição de 1988, salvo algumas exceções, a maioria dos partidos políticos não conseguiram evidenciar sua ideologia, que acabou sendo ofuscada ou fundiu-se a visão de seu principal expoente político, como por exemplo o caso do Partido Liberal (PL), que existe desde 1985, mas que se tornou sinônimo do bolsonarismo, quando Jair Bolsonaro se filiou ao partido, fazendo com que o partido ofuscasse toda a sua trajetória histórica, somente para deixar a sigla mais “confortável” para a adesão de um determinado grupo político. Este tipo de situação claramente não se visualizaria tão facilmente, em um cenário europeu.

Deixe um comentário

Fanfulla – Períodico

Fanfulla: compromisso com a verdade

No Fanfulla, acreditamos que a informação de qualidade começa pela honestidade com o leitor. Em tempos de ruído e desinformação, nosso compromisso é com a verdade — ainda que ela seja incômoda, difícil ou contrariada por interesses diversos.

Buscamos fatos. Apuramos com rigor. Questionamos versões prontas. E entregamos ao nosso público uma leitura crítica, independente e fundamentada.

Nosso papel não é agradar, mas informar com responsabilidade. A cada edição, reafirmamos: a verdade é o único caminho possível para quem leva o jornalismo a sério.

Siga nossas redes sociais