Facções criminosas: Por que se tornaram tão influentes?

Ultimamente, diversos veículos de mídia têm noticiado o aumento do poder de influência das facções criminosas, em todo o território nacional, com destaque especial a três facções: o Primeiro Comando da Capital (PCC), o Comando Vermelho (CV) e o Terceiro Comando Puro (TCP).

O fenômeno de grandes facções criminosas, não é um fenômeno restrito ao Brasil, muito pelo contrário, é uma realidade bastante perceptível em diversos países da América Latina, nos Estados Unidos e até mesmo em países asiáticos e europeus, mas com uma conjuntura as vezes um tanto diferente da que percebemos no Brasil.

No Brasil, na realidade, o modo de atuação das facções não é idêntico entre si: não podemos afirmar que o PCC atua da mesma forma que o Comando Vermelho, ou o TCP, ao contrário, cada facção possui singularidades bastante próprias, que distinguem drasticamente a forma com que elas atuam e talvez esta seja a principal “jabuticaba” do crime organizado brasileiro, que diferente do que ocorre no restante da América Latina, a forma de atuação, por aqui, tem suas singularidades.

Primeiramente, no que diz respeito ao Comando Vermelho (CV), a mais antiga das facções criminosas do país, cuja origem remonta ao ano de 1979, no Rio de Janeiro, e hoje encontra-se presente em quase todos os estados brasileiros. Os motivos que ensejaram o surgimento desta facção ainda são bastante controversos, mas esta facção acaba sendo bastante conhecida pelo seu nível de violência e uma estrutura interna com hierarquia menos verticalizada, se comparada ao PCC. Por esta razão, as regiões dominadas pelo CV tendem a registrar indicadores de violência maiores, uma vez que a facção acaba atuando mais na “linha de frente” do crime organizado, com domínio de territórios, atuação direta nas “atividades-fim” da facção, assemelhando-se muito às gangues e aos cartéis existentes nos EUA e nos demais países da América Latina.

No que diz respeito ao Primeiro Comando da Capital (PCC), a realidade é completamente distinta. Primeiramente, o PCC é uma facção mais jovem, surgida no ano de 1993, na Casa de Custódia de Taubaté, no interior de São Paulo, com a ideia de se consolidar como uma espécie de “sindicato do crime”. Diferentemente do CV, a ideia do PCC era criar um organismo único e forte, para defender os interesses dos detentos, principalmente após o episódio do “Massacre do Carandiru”, ocorrido no ano anterior ao de sua fundação. A lógica por detrás do “sindicado do crime”, que idealizou os fundadores do PCC, está na política do ex-governador paulista Franco Montoro (1983-1987), que durante o seu governo, estava concedendo espaço à população carcerária, para reivindicar melhores condições de vida, dentro dos presídios. Esta polêmica medida adotada por Franco Montoro, que chegou a ser elogiada no exterior, desagradou a direita conservadora brasileira, que rapidamente fez questão de desmantelá-la, durante o governo de Orestes Quércia (1987-1991), invocando a falácia de que existia uma organização criminosa surgindo nos presídios paulistas (Serpentes Negras), fato este que nunca foi comprovado como sendo verídico.

A verdade é que o PCC, apesar de mais novo que o CV, adotou uma estratégia mais “sofisticada” de conduzir o crime organizado. Embora ambas as facções tenham atuação nacional, o PCC conseguiu um controle praticamente pleno de todo o território do Estado de São Paulo, algo que nunca foi conquistado por nenhuma outra facção, que continua a ter disputas territoriais, mesmo em seus estados de origem. Outro ponto sobre o PCC é que, muito embora as outras tenham também atuação internacional, o PCC foi o pioneiro neste ramo, sendo de conhecimento geral, através da grande mídia, que o PCC já manteve relações com a máfia italiana e o Hezbollah, por exemplo.

Esta “sofisticação” do PCC não fica restrita apenas a suas relações internacionais, mas ao seu modo de atuação como um todo: a facção possui uma organização interna mais verticalizada e uma atuação bastante multissetorial, não ficando restrita tão somente ao tráfico de drogas e controles de território. Desta forma, a estrutura que o PCC hoje possui assemelha-se muito mais a uma máfia do que a de um cartel. Desta forma, o PCC tenta trabalhar com a ideia de “aparente normalidade”, nos territórios em que atua, buscando gerar o menor alarde possível, ainda que, igual às demais facções criminais, faça prevalecer as suas normas, dentro de seu território.

Outra facção que tem ganho bastante notoriedade é o Terceiro Comando Puro (TCP), que já se apresenta como sendo a terceira maior facção criminosa do país. Fundada no ano de 2002, por dissidentes do extinto Terceiro Comando, no Rio de Janeiro, esta facção rivaliza, em todo o país, com o CV, possuindo uma aliança com o PCC, em alguns estados, como recentemente foi descoberto e veio à grande mídia.

Estruturalmente, o TCP já atua em mais de dez estados brasileiros e apresenta estrutura interna que destoa dos modelos adotados pelo CV e pelo PCC. No caso do TCP, a sua principal marca, é o caráter “evangélico” da facção: todos os territórios dominados pela facção passam a ostentar símbolos judaicos ou neopentecostais, algo que acaba por representar uma característica muito única desta facção, que tem adotado práticas de impor, nas áreas em que domina, a sua fé, perseguindo outros grupos religiosos (inclusive outros cristãos).

A segunda característica marcante do TCP é a autonomia interna existente dentro da facção: a hierarquia existente é bastante descentralizada, cada ‘dono’ de comunidade responde somente por ela, havendo pouca (ou quase nenhuma) interferência externa, por parte da facção. Esta autonomia tem sido crucial para auxiliar a facção no seu processo de expansão, uma vez que traficantes menores, que já dominam um determinado território, buscam se juntar à facção como forma de se tornarem mais fortes e, graças a este modelo estrutural interno, sabem que não irão perder muitos poderes que atualmente possuem, ao se juntarem à organização.

O terceiro ponto marcante da facção, este mais evidente em sua atuação no Rio de Janeiro, é seu trabalho conjunto com as milícias, conforme identificado pela pesquisadora Kristina Hinz da UERJ: o TCP tem se aproximado de grupos milicianos e tem tido uma relação menos conflituosa com a polícia, se comparado ao CV. Em suma, o TCP até possui alguma semelhança com o modelo de cartéis, facilmente verificado na América Latina, mas possui diversas singularidades, que torna o seu modelo bastante único e difícil de ser comparado com outro semelhante, a nível internacional.

Além destas três gigantes, existem diversas outras facções regionais de menor porte, em especial no Rio Grande do Sul e no Nordeste, que acabam servindo como “aliadas regionais” para as três principais facções do país, expandindo as práticas para todo o território nacional e além das fronteiras internacionais, conforme o caso.

Mas a questão central que surge é: Como se tornaram tão poderosas? Para responder a esta questão, é preciso entender que cada facção possui seu modus operandi próprio: o CV, por exemplo, seguiu linhas mais tradicionais, baseando seu poder basicamente no domínio de territórios, de tal forma que, quanto mais territórios controlados, mais poder a facção detém; no caso do PCC, a lógica é mais voltada a “institucionalização do crime”, ou seja, garantir que faccionados estejam presentes nos mais variados setores da economia e da sociedade, como forma de garantir a facção certa onipresença; por fim, no caso do TCP, o seu poder cresce a medida que novas alianças são realizadas pela facção, motivo pelo qual a facção procura adotar uma estrutura bastante flexível, se comparada a seus pares.

Desta forma, o Comando Vermelho possui um controle extremamente rígido em seus territórios controlados, de forma que toda e qualquer conduta, que não for do interesse dos membros da organização, naquela localidade, serão imediatamente reprimidas pela atuação da facção, logo, as respostas tendem a ser sempre mais rápidas e quase sempre com a mesma intenção: garantir a “soberania” da facção sobre o território, aniquilando toda e qualquer ameaça logo no início. Por este motivo, o CV acaba sendo visto como uma facção bastante violenta e que acaba tendo bastante confronto com as forças policiais, embora tenha mudado o perfil de suas práticas, no passado recente, para aumentar o número de “infiltrados” em diversos setores da economia e da sociedade, a semelhança do que o PCC costumeiramente tem feito.

Por outro lado, o PCC adota uma postura bastante diferente do CV, uma vez que seu foco não é controle de territórios, mas sim garantir sua presença em diversos setores da economia e da sociedade, através de “infiltrados”. Desta forma, o PCC pode até atuar na linha de frente, mas também possui uma robusta estrutura de back office, em que a cada dia vem sendo descoberta a sua dimensão, com envolvimento de agentes públicos, organizações sociais, empresas etc. Este nível de permeabilidade que o PCC possui garante maior “sofisticação” em sua atuação, mas por outro lado, acaba dificultando significativamente o seu combate, uma vez que as atividades de inteligência da polícia necessitam descobrir onde a facção está, para poder combatê-la. Quem está nas comunidades é somente a “linha de frente” da facção.

Por fim, o TCP trabalha em um sistema de alianças, que somente é possível graças a sua estrutura mais descentralizada, quando comparada ao CV e ao PCC. Enquanto as duas principais facções do país, acabam adotando seus tradicionais modelos de atuação, o TCP acaba sendo mais flexível, cooptando outros criminosos e expandindo sua área de atuação, ainda não tão preocupado em manter muitos “infiltrados”, mas já adotando algumas práticas internas que buscam adotar uma postura menos conflituosa com a polícia e uma expansão mais silenciosa da facção, até mesmo para não gerar tanto alarde entre seus rivais.

De qualquer maneira, o que tem “ajudado” as facções a adquirem muito poder, é resultado de quatro falhas do poder público, que apesar de serem facilmente identificáveis, não são fáceis de serem resolvidas: 1) pouca atuação efetiva do Estado, na reconquista de territórios ocupados e controlados por facções criminosas; 2) ausência de mecanismos legais que permitam repreender, de maneira assertiva e com recursos adequados, as facções criminosas; 3) normalização do crime, por parte da sociedade, que não tem enxergado faccionados de maneira tão negativa, como ocorria no passado, facilitando assim a cooptação de novos membros para as facções; 4) presença de “infiltrados” em diversos setores da sociedade e da economia, o que assegura uma “margem de legalidade” para a atuação das facções.

Com a presença destes elementos, o Estado não consegue combater facilmente o crime organizado e, o pior, acaba lucrando com isto, de alguma forma: à medida que as facções começam a atuar em outros setores, acabam por realizar algum tipo de movimentação da economia que, em algum momento, resultará em arrecadação de impostos. Desta forma, o “dinheiro do crime” não é tão criminoso assim: quando a facção precisar adotar práticas de lavagem de dinheiro, para inserir este dinheiro na economia, de maneira legal, haverá o recolhimento de tributos e, no fim, o Estado vai ter “algum lucro” com tudo isso.

Deixe um comentário

Fanfulla – Períodico

Fanfulla: compromisso com a verdade

No Fanfulla, acreditamos que a informação de qualidade começa pela honestidade com o leitor. Em tempos de ruído e desinformação, nosso compromisso é com a verdade — ainda que ela seja incômoda, difícil ou contrariada por interesses diversos.

Buscamos fatos. Apuramos com rigor. Questionamos versões prontas. E entregamos ao nosso público uma leitura crítica, independente e fundamentada.

Nosso papel não é agradar, mas informar com responsabilidade. A cada edição, reafirmamos: a verdade é o único caminho possível para quem leva o jornalismo a sério.

Siga nossas redes sociais