O problema do Brasil não é a lei penal, mas a persecução penal.

Estamos ficando cada vez mais acostumados com deputados e senadores dizendo bravatas no Congresso Nacional, alegando que é preciso tornar a lei penal mais rígida, tudo com claro interesse meramente eleitoreiro. Mas, para quem conhece o Direito e, principalmente, a prática penal, sabe que o problema do Brasil não está na lei penal, mas sim na persecução penal.

Antes de discorrer sobre este tema, é preciso esclarecer aos leigos do assunto, o que é a persecução penal. Resumidamente, a persecução penal é um conjunto de atos praticados pelo Estado para investigar a possível prática de um crime, identificando o seu possível autor, reunindo provas e, se houver elementos suficientes, levando o suposto autor a julgamento para aplicar a sanção prevista em lei. Este procedimento existe em qualquer país do mundo, inclusive os mais autoritários, pois a ação penal necessita de um mínimo de instrução probatória para que ela faça sentido.

Por este motivo, uma persecução penal bem estruturada evita que o país leve pessoas inocentes à cadeia ou o contrário, faz com que pessoas verdadeiramente culpadas estejam soltas em nossa sociedade. É justamente, por este motivo, que os Estados Unidos, por exemplo, tem forte tradição em investir nos procedimentos persecutórios que antecedem a acusação.

Por outro lado, na outra ponta, de acordo com pesquisa feita pela World Justice Project (2022), o Brasil possui a segunda justiça penal mais parcial do mundo, ficando atrás de países como Paquistão, Serra Leoa e Nigéria, perdendo apenas para a Venezuela. Este dado acaba evidenciando, com monstruosa clareza, que a persecução penal no Brasil é absurdamente falha e isto é um dato que definitivamente deveria preocupar qualquer cidadão brasileiro.

Não obstante, atualmente, 30% da população carcerária brasileira, de acordo com dados da Innocence Project Brazil (2023), eram indivíduos que estavam cumprindo apenas prisão provisória, ou seja, sequer havia sentença criminal transitada em julgado. No que diz respeito aos erros cometidos pelo Poder Judiciário, inexiste uma estatística sobre o tema, porém, de acordo com o próprio Conselho Nacional de Justiça (2024), 40 milhões de processos no Brasil (de todas as áreas, inclusive criminais) possuíam algum tipo de erro judicial, sendo que a maior parte destes erros ocorreram na justiça estadual (aonde se apura a maioria das causas, inclusive crimes comuns).

Desta forma, o que observamos no Brasil: uma persecução penal completamente falha, desde o seu início, com uma investigação criminal extremamente mal feita, que enseja ações penais capengas, com frágil teor probatório e vazias de conteúdo, o que acaba facilitando a absolvição do acusado, por ausência de provas, gerando sensação de impunidade, em toda a sociedade.

A fragilidade da investigação criminal no Brasil é motivo de debate entre os estudiosos das ciências criminais no país, com destaque, o criminólogo Jordão Santana, que aponta que o modelo policial brasileiro é predominantemente reativo, ou seja, está preocupado excessivamente no enfrentamento direto do crime, não se preocupando muito com os demais aspectos que são necessários para investigação criminal.

De certa forma, o que verificamos no Brasil é a necessidade do “bode expiatório” nas delegacias de todo o país: todos sabem que os crimes acontecem todos os dias, mas é preciso que alguém assuma o papel de culpado pela prática destes crimes. Por este motivo, “mostrar serviço”, apontando de pronto, quem é o culpado, é mais importante do que investigar.

A qual conclusão chego? O Brasil hoje precisa, sem dúvida alguma, reestruturar a investigação criminal, tornando-a mais técnica e imparcial, sem tanta ânsia de descobrir supostos autores, mas atentando-se mais aos fatos e seus desdobramentos. Somente com uma investigação criminal bem estruturada, crimes ocultos podem vir à tona. Em seguida, é preciso que o Ministério Público volte a ser “promotor de justiça” e não “promotores de acusação”, como muitas vezes tem ocorrido, quando há uma injustificável necessidade de se propor ações penais, mesmo que estas sejam completamente capengas em seu conteúdo probatório. Por fim, a magistratura precisa agir efetivamente sob o princípio do “in dubio pro réu” e começar a punir “atitudes preguiçosas” na persecução penal, como forma de estimular uma investigação criminal mais bem estruturada e a propositura de ações penais que sejam robustas, para que o judiciário tenha a segurança necessária para embasar um édito condenatório robusto e praticamente inquestionável.

Leis penais mais rígidas, sem uma persecução penal bem estruturada, só vai servir para promover encarceramentos em massa e piorar, ainda mais, o crime no país, uma vez que os presídios funcionam como a principal “fonte de recrutamento” para novos membros do crime organizado: o indivíduo, que muitas vezes é até preso inocente, sai da penitenciária como membro de uma facção e se torna um problema para o Estado e toda a sociedade, graças às falhas existentes na persecução penal.

Em suma, enquanto a persecução penal no Brasil for falha, a lei não se aplicará aos poderosos, mas apenas aos elos mais frágeis de nossa sociedade, sejam eles culpados ou não, afinal, no Brasil, para ser criminoso, basta ser marginalizado, a culpa é mero fator acessório.

Uma resposta para “O problema do Brasil não é a lei penal, mas a persecução penal.”.

  1. Avatar de Sérgio Moro: inocente ou culpado? – Fanfulla – Períodico

    […] já denunciado outras vezes neste periódico (https://fanfula.com.br/2025/12/10/o-problema-do-brasil-nao-e-a-lei-penal-mas-a-persecucao-penal/), a persecução penal no Brasil é bastante parcial e o país hoje possui uma das justiças penais […]

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