O Código Penal de 1969: O Código que não existiu.

Pouca gente deve ter ouvido falar dele e isso foi proposital: a aposentadoria do nosso Código Penal de 1940, criado na Era Vargas, de fortíssima inspiração no Código Penal italiano vigente naquela época, teve sua aposentadoria planeada no final da década de 1960, com o Código Penal de 1969 (Decreto-Lei nº. 1.004/1969).

O Código Penal de 1969 seguia um padrão mais moderno, inspirado no que se chamava a época de “Código Penal Tipo para a América Latina”, que estava perfeitamente alinhado à Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica), ainda que esta tenha entrado em vigor posteriormente, suas ideias já permeavam o meio acadêmico local: ou seja, era um Código que tinha um maior respeito aos direitos humanos e mais adaptado a realidade da América Latina.

Na realidade, o Código ultrapassou a fase de anteprojeto, chegou a ser publicado no Diário Oficial, mas o início de sua vigência foi postergado por diversas vezes, através de leis de iniciativa do Congresso Nacional, até que foi formalmente revogado pela Lei nº. 6.578/1978. Curiosamente, o Código Penal de 1969 foi instituído por Decreto-Lei, editado pela Junta Militar que governava o país naquela ocasião, imediatamente após a morte do Presidente Costa e Silva. Quem se opôs ao início da vigência do novo código foi o Congresso Nacional.

De fato, revogar o Código de 1969 era uma questão de ego legislativo, pois com a reforma do atual Código Penal, através da Lei nº. 7.209/1984, no último ano do Regime Militar, muitos dos elementos que eram previstos no Código Penal de 1969 foram incorporados no Código Penal de 1940, através da referida lei que o reformou. Desta forma, estava claro que o Congresso queria ser o protagonista deste “avanço social” e que toda a narrativa de que seria difícil aplicar a nova norma, que foi sustentada ao longo da década de 1970, era uma mera falácia protagonizada pelo Legislativo.

Não obstante, este foi um dos raros casos, no direito brasileiro, em que houve a repristinação de uma norma jurídica, ou seja, quando uma lei posterior, que expressamente revogou uma lei anterior, é posteriormente revogada, permitindo que a lei anterior revogada volte a ter vigência. Esta situação é extremamente excepcional no direito brasileiro, pois a regra é que, quando uma norma é revogada, ainda que a lei posterior que a tenha revogado perca sua vigência, ela também não tornará a ser vigente. Enfim, este é um dos milhares de casos de exceções à regra, que aconteceram durante o Regime Militar.

Deixe um comentário

Fanfulla – Períodico

Fanfulla: compromisso com a verdade

No Fanfulla, acreditamos que a informação de qualidade começa pela honestidade com o leitor. Em tempos de ruído e desinformação, nosso compromisso é com a verdade — ainda que ela seja incômoda, difícil ou contrariada por interesses diversos.

Buscamos fatos. Apuramos com rigor. Questionamos versões prontas. E entregamos ao nosso público uma leitura crítica, independente e fundamentada.

Nosso papel não é agradar, mas informar com responsabilidade. A cada edição, reafirmamos: a verdade é o único caminho possível para quem leva o jornalismo a sério.

Siga nossas redes sociais