Caso Enel: Será que tudo é realmente culpa da empresa?

Recentemente, veio à tona uma questão muito interessante, relacionada aos serviços prestados pela italiana Enel, na cidade de São Paulo. A cidade tem ficado, frequentemente, sem energia e isto tem prejudicado significativamente a população paulistana. Autoridades locais, têm pleiteado junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), sobre a possibilidade de revogar a concessão da operação da Enel na capital paulista.

Apesar do serviço prestado pela Enel ter ficado a desejar, não somente na cidade de São Paulo, mas também na Grande Rio (https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/12/31/explosao-em-subestacao-da-enel-afeta-seis-municipios-do-grande-rio.ghtml), nem tudo o que tem ocorrido é realmente culpa da concessionária: na realidade, a empresa herdou estruturas completamente sucateadas e, definitivamente, não possui recursos suficientes para recuperar o sistema e fornecer um serviço de qualidade a população.

Antes que aleguem que eu estou “passando pano” pra uma gigante do setor privado, eu somente estou sendo realista: a infraestrutura que a Enel hoje administra, na Grande São Paulo, foi herdada da antiga Eletropaulo, que foi uma estatal que chegou a ser referência em seu segmento, atuando em “ciclo fechado”, ou seja, atuava na geração, transmissão e distribuição da energia elétrica.

O serviço prestado pela Eletropaulo era de qualidade, havia um controle sobre todo o processo, o que garantia qualidade nas atividades de fornecimento e produção de energia elétrica. Ocorre que, às vésperas da privatização, o governo de Mário Covas fracionou a estatal em quatro empresas distintas: duas para o setor de distribuição (Eletropaulo e Bandeirante Energia), CTEEP (transmissão de energia), EMAE (geração de energia) – esta última manteve-se estatal até 2024.

Desde a privatização, ocorrida em 1999, a fatia que “restou” da Eletropaulo, ficou responsável por atender a cidade de São Paulo e a maioria dos municípios da Grande São Paulo: a empresa só não atende os municípios do Alto Tietê (Arujá, Biritiba Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Santa Isabel e Suzano), Caieiras, Guarulhos, Mairiporã, Francisco Morato e Franco da Rocha. Logo, a área de cobertura da Enel, atualmente, atende a um total de aproximadamente 17 milhões de pessoas.

Por outro lado, a outra distribuidora que surgiu a partir da cisão da Eletropaulo, a Bandeirante Energia (atual EDP-Bandeirante), controlada pela portuguesa EDP, atende uma área significativamente bem menor, de aproximadamente 5 milhões de pessoas, representada pela região do Alto Tietê e a grande maioria dos municípios do Vale do Paraíba paulista.

Desta forma, é até injusto comparar a privatização da Eletropaulo com a da Bandeirante, pois a área de atendimento possui dimensão completamente distinta, ainda que ambas tenham herdado a estrutura “propositalmente sucateada” da Eletropaulo. Na verdade, se analisarmos todas as concessões de distribuição de energia elétrica do Brasil, somente a CEMIG, estatal do governo de Minas Gerais, que controla uma área maior, em termos de população, do que a Enel SP, em todo o território nacional.

A CEMIG, sem dúvida, seria o nosso parâmetro de referência para analisar como seria a Eletropaulo hoje, sem que tivesse havido a privatização, no final da década de 1990: hoje uma empresa altamente lucrativa, com ações negociadas na bolsa de valores e referência em seu setor, mas ainda assim, os privatistas anseiam a sua privatização (sem qualquer justificativa plausível).

A iniciativa privada, ainda que queira, não tem a mesma capacidade de uma estatal para trabalhar com projetos de grande magnitude, e isto está bem claro na situação da Enel, na capital paulista. A empresa é forte, mas o desafio é imenso: a estrutura de distribuição de energia elétrica da capital está sucateada, muito do que está em funcionamento ainda é da década de 1980/1990, é preciso grandes investimentos em modernização da rede de distribuição, logo, não é apenas manter a estrutura existente, mas renovar, investir em soluções mais seguras, modernas e eficazes, porém isto um custo muito elevado e a iniciativa privada não está tão disposta a realizar isto, em toda sua área de distribuição, pois isso impactaria diretamente nos lucros da companhia.

Reestatizar o sistema seria uma solução, mas, considerando a “maré de corrupção” que assola nosso país, temo que essa solução acabe por servir apenas como uma escusa para desvio de vultosos recursos. Logo, sob o meu ponto de vista, o ideal seria reorganizar a concessão da energia elétrica na Grande São Paulo.

Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, há o atendimento por duas empresas (ENEL e Light), porém a população local é de apenas pouco mais de 11 milhões de habitantes, o que é menos do que a própria cidade de São Paulo (11.451.999 habitantes – CENSO 2022). Agora, a Grande São Paulo inteira, é atendida apenas por três companhias hoje: Enel (maior parte), EDP (maior parte da região do Alto Tietê), Neoenergia Elektro (Arujá, Caieiras, Mairiporã, Francisco Morato, Franco da Rocha e Santa Isabel – que não ultrapassam, juntos, o total de 600 mil habitantes).

A solução para o problema da ENEL não seria apenas revogar a concessão e colocar outra no local, sob os mesmos moldes: isto é tolice, o problema irá se repetir novamente, pois a área de concessão é muito grande e cheia de desafios. A solução então seria fracionar a área de concessão, de modo a permitir que a toda a área atual pudesse ser operada por quatro companhias distintas.

A sugestão que este humilde jornalista apresenta, seria dividir a atual área de concessão da ENEL, nas seguintes áreas:
Área 1 – São Paulo Capital I: abrangendo as Zonas Central, Centro-Sul, Noroeste, Oeste e Sul da cidade de São Paulo (total: 5.271.928 habitantes).
Área 2 – São Paulo Capital II: abrangendo as Zonas Leste 1, Leste 2, Norte e Sudeste da cidade de São Paulo (total: 5.668.383 habitantes).
Área 3 – ABC Paulista: abrangendo os municípios de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul (total: 2.671.500 habitantes).
Área 4 – RMSP Oeste: abrangendo todos os demais municípios não listados anteriormente, que estão na atual área de cobertura da ENEL SP (total: 3.218.453 habitantes).

Desta forma, com esta setorização em quatro lotes distintos, nenhuma área seria sobrecarregada, porém haveria uma exigência no novo edital de concessão: A concessionária que fosse atuar em uma das quatro áreas, não poderia atuar nas demais, todavia, nada impediria que uma empresa concessionária que já atue no Estado, pudesse atuar em uma das quatro áreas. Desta forma, a concessionária assumiria o papel não apenas de distribuir, mas também de modernizar a infraestrutura existente.

Com este modelo, empresas que já atuam no interior do Estado, como por exemplo a EDP-Bandeirante, a Energia, a CPFL e a Neoenergia Elektro, poderiam vir a operar também na Grande São Paulo, o que seria extremamente benéfico para a economia e desenvolvimento estadual.

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