Entender a história da democracia brasileira necessita, antes de tudo, de um retorno ao ano de 1945, que é quando houve o primeiro suspiro democrático da história brasileira. Naquele ano, o Brasil saía vitorioso da Segunda Guerra Mundial.
Naquele contexto, Getúlio Vargas não apenas entrou na guerra, ao lado dos aliados (lado vitorioso), como mostrou ao mundo que as forças armadas brasileiras não eram meras figurantes no conflito: o Brasil saía com excelente reputação militar do conflito, a ponto de que os Estados Unidos e o Reino Unido desejarem que o Brasil participasse da ocupação da Áustria, após o conflito, algo que acabou não se concretizando, por motivos até hoje desconhecidos.
Além disso, naquele contexto, a diplomacia brasileira teve participação singular na criação do Estado de Israel, uma vez que, graças aos esforços de Osvaldo Aranha, finalmente chegou-se a uma partilha adequada da Palestina, que acabaria sendo aceita pela ONU. Esta atuação de Osvaldo Aranha, sem dúvida alguma, mostrava que a diplomacia brasileira era respeitada e tinha seu valor.
Getúlio Vargas, contudo, encerrava o seu governo de maneira muito contraditória e estas contradições culminaram em sua deposição, pelo seu próprio Ministro de Guerra, o Marechal Eurico Gaspar Dutra, que tornar-se-ia presidente do Brasil em 1946. Na realidade, nem podemos chamar o ocorrido de “golpe militar” ou sequer de “traição”, foi tudo muito bem orquestrado, era apenas para vender ao mundo a ideia de que o Brasil estava se tornando um país democrático, aos moldes ocidentais, mais alinhado ao modelo democrático estadunidense.
Ainda em 1946, uma nova constituição seria promulgada, com um viés bastante democrático, e o jogo político que surgiria a partir de sua promulgação seria intenso, pluripartidário, acalorado, algo muito vibrante, que não havia sido visto pelo povo brasileiro até então. A Terceira República Brasileira (1946-1964) era tão singular que, o próprio Getúlio Vargas pôde retornar à presidência da república, pelo voto popular, após o governo de Eurico Gaspar Dutra.
Em 1946, o Brasil era democrático, soberano e respeitado internacionalmente, porém houve um desgaste desta reputação, principalmente a partir da década de 1960, quando intervenções externas passaram a ocorrer na política nacional que culminaram no golpe militar de 1964 e, desde então, o Brasil deteriorou significativamente a sua estrutura democrática.
Com a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, houve uma tentativa de restaurar a realidade que existia antes de 1964, com uma estrutura voltada à reparação histórica. Desta forma, a principal marca da ordem constitucional inaugurada a partir de 1988, não era meramente democrática, mas reparadora, visando reparar máculas históricas de nosso país, combatendo práticas como o racismo e a tortura, além de buscar a redução das desigualdades regionais, a concentração fundiária e etc.
Por conta desse viés reparador, a nova democracia brasileira originalmente tinha um viés voltado à inclusão, o que foi bastante explorado a partir do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso até o segundo mandato de Dilma Rousseff. Neste período entre 1999 a 2016, o Brasil experimentou o surgimento de diversos programas sociais (FIES, ProUni, Bolsa Família etc.), e uma certa tranquilidade política, pois os principais partidos protagonistas da política nacional (PT e PSDB), não eram tão distantes ideologicamente.
A partir do impeachment de Dilma Rousseff, o extremismo começa a ganhar espaço na política nacional. O PSDB não mais representava a direita brasileira; havia interesse por algo mais à direita, surgindo assim a figura de Jair Bolsonaro como possível presidenciável, com discursos avessos à ordem democrática vigente, fazendo apologia ao regime militar e defendendo um governo de maioria, sem respeito aos interesses das minorias. A esquerda também muda e assume uma postura mais extrema, sendo fortemente influenciada pelas pautas da New Left americana.
O Foro de São Paulo, por sua vez, se torna uma entidade antagônica e cheia de incongruências em si mesma. Se por um lado, a esquerda agora tinha forte influência da esquerda acadêmica internacional, a entidade não se desgarrou do chavismo e outras agendas esquerdistas latino-americanas, que sempre tiveram como principal marca serem opositoras à influência dos EUA no continente: o que chega ser cômico, uma vez que a pauta identitária da esquerda brasileira, principalmente, é fortemente influenciada pela esquerda estadunidense.
Na calada da noite, o Poder Judiciário foi garantindo poderes cada vez mais expressivos, durante este período. A “Operação Lava Jato” por exemplo, foi um verdadeiro “mar de irregularidades”, e o mais absurdo foi o fato do juiz Sérgio Moro, que ficou famoso na atuação na referida operação, ganhar notoriedade e vir a ser Ministro da Justiça, no governo de Jair Bolsonaro, passando uma das maiores aberrações jurídicas de todos os tempos: o pacote “anticrime”, que talvez seria mais adequadamente chamado de “circo dos horrores”, com alguns trechos que foram considerados inconstitucionais pelo STF.
Sérgio Moro acabou por inaugurar, durante sua atuação como juiz e após ter deixado a magistratura, o “populismo penal” no Brasil, dando condão a diversos outros projetos, de iniciativa de outros parlamentares, com enfoque excessivo no enrijecimento excessivo da lei penal, algo que não era tão frequente antes de 2016. Com a lei penal mais forte, as instituições responsáveis por aplicá-las ganham cada vez mais poderes, nisso, o Ministério Público e o Poder Judiciário começaram a adquirir poder significativo a partir de então.
Hoje, o Brasil flerta com três modelos ditatoriais distintos: a “ditadura do Judiciário”, onde as instituições do Poder Judiciário passam a ter um efetivo controle institucional do Estado e a atuação da jurisdição não é tão imparcial com o esperado; a “ditadura da direita”, aonde se busca prevalecer a vontade de uma determinada maioria, em detrimento a todas as outras minorias, com proposituras que estão muito preocupadas com assuntos de ordem moral e ignorando os verdadeiros problemas do país; a “ditadura do crime”, que está ficando cada vez mais forte, com facções organizando um verdadeiro “Estado paralelo” em diversas localidades do país, impondo a suas regras e controlando diversos setores da economia nacional.
É preciso atenção: a democracia brasileira já apresenta sinais de fraqueza. Um local onde o povo não é verdadeiramente livre para expressar sua opinião, sem receio de receber qualquer tipo de represália, não é mais uma democracia; já se tornou há tempos um regime de exceção. Não à toa, que os Estados Unidos da América, que talvez seja a democracia mais antiga em vigência, até o momento, protege de maneira quase absoluta, a liberdade de expressão em seu texto constitucional, motivo pelo qual, a política americana sempre tende a conceder asilo político para quem comprovar perseguição decorrente do cerceamento do seu direito de liberdade de expressão, tamanha a importância deste direito para a democracia americana.
No Brasil, o caminho vem sendo nebuloso e preocupante. Tanto a esquerda quanto a direita não são tão simpáticas ao direito pleno da liberdade de expressão, ainda que a última diga o contrário, quando tenta cercear o direito de expressão de minorias, estão afrontando a liberdade destes grupos minoritários. Não obstante, o judiciário brasileiro, em diversos episódios, tem demonstrado que também não concorda muito com este direito fundamental e, por fim, obviamente, o crime organizado também não é simpático à liberdade de expressão. O povo brasileiro caminha para o fim de sua liberdade e, quando a liberdade acabar, a democracia estará morta.







Deixe um comentário